Não há dúvida que as vacinas contra a Covid-19 se aproximam. O avanço da ciência enche o mundo de esperança. Os resultados recentes das eleições brasileiras indicam que os novos prefeitos terão como tarefa imediata se dedicar à saúde pública. A ciência e a cidadania demostram que são instrumentos de defesa da vida. Nada mais atual.
Aos poucos se impões outras interrogações: se o momento é de sobrevivência, o que será do novo tempo quando o risco à vida for controlado? O senso de responsabilidade em relação ao presente exige que se coloque em perspectiva o que virá depois. Então, a esperança a esperança de vencer a batalha pela saúde deve mirar um futuro não distante. É preciso uma resposta pragmática antecipadora.
Fala-se muito de um novo normal, que melhor seria traduzido por uma agenda pública renovada. Não há como negar que a pandemia novos comportamentos, mas também carrega consequências econômicas evidentes, sublinha as injustiças sociais e mexe com corações e mentes. Portanto, se há vida depois da pandemia, certamente isso depende da criação de oportunidades para toda gente e do fortalecimento de laços sociais.
Está na hora de lembrar que, depois da Segunda Guerra Mundial, a educação e a cultura tiveram papel importante na reconstrução social. A diplomacia da paz, comprometida com a cooperação internacional, resultou na criação da ONU, e, na sequência quase imediata, foi instalada a Unesco como agência dedicada à educação à cultura, antes da OMS e da OMC.
Em vários países atingidos profundamente pela guerra, a valorização da educação pública universal e a implementação de políticas culturais foram decisivas para superar as tragédia e a miséria. Na França, a liderança do escritor André Malraux na criação do Ministério de Autores Culturais focos da vida social. Especialmente onde as memórias da dor e da violência eram incontáveis, a educação e a cultura restabeleceram o gosto pela convivência humana e pela criação coletiva, traduzindo a capacidade de resiliência dos povos. Noutra época, a história contemporânea da Coreia do Sul também atesta que a educação e cultura são vias essenciais para o desenvolvimento social.
No Brasil de hoje, os exemplos históricos indicam a necessidade de rever o ponto de vista que relega a educação e a cultura ao segundo plano, e que foi estabelecido por uma ideia torta de democracia contra a pluralidade, e que busca, nos impasses da pandemia, sua justificativa. Se no presente isso é incongruente, não dar o devido peso à educação e à cultura significa negar as oportunidades do futuro.
Na contramão do que estamos vivendo, é preciso reinstalar a educação e a cultura como função de Estado e direito e cidadania. Os governos não podem escapar a seu dever de inovar práticas e mudar conceitos. A rede educacional e a economia criativa servem para enfatizar que a educação e a cultura são plataformas de produção de riquezas e garantia de sustento de muitos trabalhadores, definem graus de qualidade de vida. No mundo de concentração urbana, as cidades são a arena possível de reconciliação, e valorizar a rua como espaço público significa respeitar o próximo. Por meio da educação e da cultura, a sociedade se encontra e se conhece, ganha força no plano simbólico fazendo uso das tecnologias e do conhecimento, do patrimônio cultural e da imaginação.
Foi o poeta Ferreira Gullar que cunhou a máxima de que “a arte existe porque a vida não basta”. Assim, o poeta serve de gula para afirmar a condição humana. A vacina da vida será uma conquista do presente, mas, sem educação e cultura, não haverá como encontrar a vitalidade essencial do novo tempo. Isso vale para o país do futuro não desistir do projeto nacional! Mas a atualização é necessária. Agora, o futuro é pra já com educação e cultura.
Fonte: Educação e cultura na reconstrução pós-pandemia - O GLOBO