Estamos nos dias finais do Advento em preparação para o Natal do Senhor. É a vinda de Jesus Cristo – Deus feito homem por amor de nós – a este mundo para nos redimir das correntes aprisionadoras do pecado e oferecer-nos a possibilidade da vida eterna. É o grande mistério da nossa redenção, a respeito do qual somos sempre convidados a refletir.
Sim, o Papa São João Paulo II nos recorda que “o nascimento de Jesus em Belém não é um fato que se possa relegar para o passado. Diante dele, com efeito, está a história humana inteira: o nosso tempo atual e o futuro do mundo são iluminados pela sua presença. Ele é ‘o Vivente’ (Ap 1, 18), ‘Aquele que é, que era e que há de vir’ (Ap 1, 4). Diante dele, deve dobrar-se todo o joelho no céu, na terra e nos abismos, e toda a língua há de proclamar que Ele é o Senhor (cf. Fl 2, 10-11).
Cada homem, ao encontrar Cristo, descobre o mistério da sua própria vida. Jesus é verdadeiramente a realidade nova que supera tudo quanto a humanidade pudesse esperar, e tal permanecerá para sempre ao longo das épocas sucessivas da história. Deste modo, a encarnação do Filho de Deus e a salvação que realizou com a sua morte e ressurreição são o verdadeiro critério para avaliar a realidade temporal e qualquer projeto que procure tornar a vida do homem cada vez mais humana” (Incarnationis Mysterium, n. 1).
Diante do presépio, somos chamados a compreender, na pequenez e simplicidade, a grandeza de Deus que, exatamente por ser todo-poderoso, pode se fazer e se faz pequeno a fim de nos chamar para perto de si. Isso nos ensina Bento XVI, em sua Audiência Geral, 23/12/2009, ao afirmar que “no Natal Deus se tornou deveras o ‘Emanuel’, o Deus-conosco, do qual não nos separa barreira nem distância alguma. Naquele Menino, Deus tornou-se tão próximo de cada um de nós, tão próximo, que podemos chamá- -lo por tu e manter com ele uma relação confidencial de afeto profundo, assim como fazemos com um recém-nascido. De fato, naquele Menino manifesta-se Deus-Amor: Deus vem sem armas, sem a força, porque não pretende conquistar, por assim dizer, de fora, ao contrário, deseja ser acolhido pelo homem em liberdade; Deus faz-se Menino inerme para vencer a soberba, a violência e a ambição de posse do homem. Em Jesus, Deus assumiu esta condição pobre e desarmante para nos vencer com o amor e nos guiar à nossa verdadeira identidade.
Não devemos esquecer que o título maior de Jesus Cristo é precisamente o de ‘Filho’, Filho de Deus; a dignidade divina é indicada com uma palavra, que prolonga a referência à humilde condição da manjedoura de Belém, mesmo correspondendo de modo único à sua divindade, que é a divindade do ‘Filho’. A sua condição de Menino indica- -nos, além disso, como podemos encontrar Deus e gozar da Sua presença. É à luz do Natal que podemos compreender as palavras de Jesus: ‘Se não voltardes a ser como as criancinhas, não podereis entrar no reino dos céus’ (Mt 18, 3). Quem não compreendeu o mistério do Natal, não entendeu o elemento decisivo da existência cristã”.
A beleza do Natal está em ver que Cristo veio para todos os que desejam acolhê-lo de coração aberto. Os primeiros convidados a adorá-lo são pobres pastores que guardavam rebanhos nas imediações da manjedoura (cf. Lc 2, 8-18). Depois, no entanto, também os reis magos vêm até Ele (cf. Mt 2, 1-12). Estes eram pagãos que desejam, além da simplicidade de seus corações como a dos pastores, oferecer ao Deus-Menino dons materiais: ouro, incenso e mirra. O encontro com aqueles homens do Oriente é chamado de ‘epifania’, ou seja, a manifestação de Deus a todos os homens e mulheres de boa vontade. O anúncio da Boa-Nova do Reino não exclui ninguém. No presépio, ficam lado a lado com Jesus, Maria e José – a Sagrada Família de Nazaré – pobres pastores e ricos reis magos... Todos assistidos por anjos cantores... É a harmonia do Reino de Deus que muito difere da mesquinhez humana fomentadora da divisão fratricida ou da luta de classes.
Esse mesmo conceito inclusivo do presépio é visto também nas fortes pregações de João Batista e no seu batismo de penitência em preparação para o início do ministério público de Jesus, conforme lemos em Lc 3, 10-14: “Perguntava-lhe a multidão: ‘Que devemos fazer?’. Ele respondia: ‘Quem tem duas túnicas dê uma ao que não tem; e quem tem o que comer, faça o mesmo’. Também publicanos vieram para ser batizados, e perguntaram-lhe: ‘Mestre, que devemos fazer?’ Ele lhes respondeu: ‘Não exijais mais do que vos foi ordenado’. Do mesmo modo, os soldados lhe perguntavam: ‘E nós, que devemos fazer?’. Respondeu-lhes: ‘Não pratiqueis violência nem defraudeis a ninguém, e contentai-vos com o vosso soldo’”.
Eis alguns caminhos para o Santo Natal: a partilha, especialmente de roupas e alimentos; o exercício do poder com justiça e equidade, caso dos cobradores de impostos (publicanos) e dos soldados. Em uma palavra, para bem receber a Cristo que vem, de modo espiritual, ao nosso coração, precisamos nos converter. Mudar de vida: hoje ser melhor que ontem, amanhã melhor que hoje e assim sucessivamente, fazendo de cada momento um ‘kairós’ ou um tempo oportuno da graça de Deus em nossa vida. Ela, certamente, mudará para melhor no relacionamento com o Senhor e com as pessoas que nos cercam. Façamos essa experiência!
Concluo convidando cada irmão ou irmã a contemplar o presépio – ainda que seja em uma gravura – e dele tentar extrair algumas lições. Sem nos afastarmos do grande centro que é Cristo, o filho obediente, observemos também as atitudes de Nossa Senhora, a mãe acolhedora, e de São José, o pai zeloso, cujo ano especial estamos celebrando, e peçamos que cada pessoa, onde quer que se encontre, tenha a graça de fazer do seu coração uma manjedoura viva para acolher o Deus-Menino e tornar-se com isso melhor para Deus, para si mesma e para o próximo. Afinal, só a conversão do coração transforma verdadeiramente o mundo.