ResumoAté recentemente os pandectistas do século XIX foram vistos como juristas que, presos a uma dogmática abstrata, seriam incapazes de enfrentar com suas reflexões sobre o direito romano os problemas concretos da vida diária. Nas duas últimas décadas, a narrativa usual sobre a Pandectística veio, porém, a ser parcialmente revista, graças a mudanças de perspectiva e a posturas mais abertas no plano metodológico. Levando tais mudanças em conta, analisamos como os pandectistas reagiram ao maior dos desafios provindos da economia e da sociedade de sua época: a industrialização. Focando seus manuais impressos no século XIX, examinamos sobretudo as estruturas, os prefácios, os índices e os próprios “textos principais” dos livros. Para os pandectistas, o ensino e o estudo do direito romano tinham grande importância para a totalidade do sistema jurídico, servindo aos mais diversos objetivos. Verificamos que tais autores- dentro do enfoque científico e do quadro histórico em que se colocavam- tentaram, sim, ofertar reflexões úteis para as questões práticas de sua época. Não obstante, sentiam-se ao mesmo tempo embaraçados diante de tais questões, evitando fazer-lhes referências diretas. Atitude que não os impediu, em todo caso, de invocar com freqüência as “necessidades” da economia e da sociedade. Foram o distanciamento e o alto grau de abstração propositalmente buscados pelos pandectistas que lhes permitiram atingir, no âmbito acadêmico, níveis mais elevados de qualidade e de autonomia face à política e à religião. A própria ciência jurídica impôs-se, assim, como fonte do direito. Desejando assegurar tais conquistas e fazer frente à incerteza no mundo jurídico, os pandectistas lançaram-se à construção de sistemas lógicos e conceitos puros. A auto-imagem apolítica dos pandectistas exprimia, contudo, uma atitude política peculiar, mais perceptível quando comparada àquela dos juristas de outros campos, como os especialistas em direito público e em questões laborais. Foram estes últimos, sobretudo, que contribuíram mais decisivamente, pelos diversos caminhos da teoria e da prática, para a construção do Estado Interventor. Quase no fim do século XIX despontariam novos e modernos regimes regulatórios, intensificando-se por toda parte o processo de juridicização da sociedade. O tradicional domínio absoluto da lei no mundo jurídico veio a ser, então, complementado- e relativizado- por novas fontes normativas. Prosseguindo até hoje, tal fenômeno não havia sido previsto pelos juristas oitocentistas. Estava além do horizonte de todos eles- e não só dos tão criticados pandectistas. Palavras-chave: Pandectística; Direito Civil; Mudança social; Wächter; Vangerow; Windscheid. |
AbstractUntil the recent past the German pandectists of the 19th century were perceived as dogmatic jurists who would only work in abstract ways not being able to tackle concrete problems of every day’s life within their Roman law studies. This narrative of pandectism has been partly revised under the influence of methodical openness and change of perspectives within legal scholarship in the last two decades. Considering that change, this article examines how the pandectists reacted to the industrialization being the greatest economic and social challenge in their times. The analyzed sources mainly encompass the manifold printed textbooks of the pandectist scholarship in the 19th century. Structure, preface, index and especially the actual text of those textbooks were the main object of the research. The analysis showed that the pandectists indeed attempted to establish references to practical issues of their present in compliance with their historical frame and scientific approach. For them the study and teaching of Roman law was of great significance for the whole legal system and served several objectives. However, direct references to present issues seemed sensitive and were purposely avoided, although pandectists often addressed the “needs” of economy and society. The distance and abstraction pandectists deliberately applied led to scholarly standards respectively quality and autonomy from politics and religion. Legal science itself became a source of law. The pandectists wanted to secure this achievement methodically by encountering legal uncertainty with the construction of logical systems and pure concepts. This unpolitical self-understanding was of course expression of a particular political attitude, which was even more noticeable, if one compares pandectists with jurists from other legal areas like specialized labor law or public law. These other jurists contributed to the emergence of the interventionist state in manifold dogmatic and practical ways. Towards the end of the 19th century modern regulatory regimes spawned and led overall to a stronger juridification of society. The traditional juristic absolutism of the law was relativized and complemented by new normative sources – a development, which is effective until today. This was beyond the horizon and agenda not only of the often bashed pandectists, but also of other lawyers. Key Words: Pandectistic; Civil Law; social change; Wächter; Vangerow; Windscheid. |